.comment-link {margin-left:.6em;}

The Sun Green Hills

Conversas de café e outros devaneios...

greendale

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

FADO

Há cerca de dois meses atrás veio-me parar à mão um folheto informativo. Publicitava um espectáculo de Dança Contemporânea num qualquer Centro Cívico de Barcelona e que se iria realizar dentro de dias. A Companhia que o apresentaria era italiana e composta apenas por um casal. O primeiro dos três actos propostos suscitou-me especial e sentido interesse: chamava-se “Solos en Lisboa” e assumiu-se como a grande motivação que me faria deslocar àquela sala. Desde logo compreendi que, provavelmente, estaria perante um dos momentos mais solenes desta minha nova emigração.

A ansiada sexta-feira chegou. Em passos largos corri para o auditório, não fosse perder um só minuto da performance que tanto me entusiasmava. À entrada pediram-me três euros, isto se apresentasse o cartão jovem. Não o tinha comigo. Como terá sido possível esquecê-lo? Já resignado com o dobro que pagaria, o sereno ancião que do outro lado estava sentado afirmou que para se ser jovem não era preciso ter cartão e que, por si só, pagar o que quer que fosse seria já uma exigência demasiado atroz. Agradeci com um sorriso e assenti a ideia.

Sentei-me nas primeiras filas. A sala não estava cheia, mas também não estava longe disso. Enquanto esperava fui sonhando com o que desejava presenciar. As cores e os timbres das pessoas. Os odores e temores das ruas estreitas. A magia e romantismo de quem olha o rio. A luz que dá vida ao Castelo. A música das esplanadas. O suor que escorre na face de quem sobe mais uma colina. O caos dos ritmos frenéticos. A alegria das noitadas sem fim…

Ouviu-se o silêncio… o espectáculo estava prestes a começar. Colada a uma parede de tijolos surge uma bailarina. As suas mãos percorrem lenta e suavemente as arestas nuas dessa fria barreira. Fundiram-se. O esplendor da sua motricidade evoca os momentos mais sensuais. Com passos firmes mas numa atitude discreta e vaga, avança em direcção ao público trovando num castelhano quase perfeito:

Me fue a Lisboa y me deparé con un portugués llorando.
Me acerqué a el y le pregunté porque lloraba.
Me contestó que lloraba porque estaba enamorado.
¿Pero de quien? Dije yo.
De nadie…
¿De nadie? ¿Entonces porque lloras tu?
Lloro de Puro Amor.


Logo depois entrou no mais profundo dos contorcionismos. O seu corpo frágil transpirava sofrimento. A sua alma estava plena de lágrimas. Os movimentos que traçava eram autênticas erupções de densa intensidade. E como ela se abraçava sozinha…

Novamente regressou à parede de tijolos e lentamente se encaminhou para a saída. As suas mãos preencheram um pouco mais, e mais uma vez, a agressiva argila. Tão incrédula como da primeira vez, repetiu o curioso diálogo enfatizando a sua última frase: Lloro de Puro Amor… De Amor Puro… De Puro Amor… De Amor Puro… De Puro… Terminou. A cortina desceu. Mais dois actos excepcionais se seguiram.

Findo o espectáculo, dirigi-me lentamente para casa. Tinha gostado bastante do que tinha assistido. Mas foi também uma surpresa. Daquelas que não são nem boas nem más. Ponto. De Lisboa não encontrei as cores, o cheiro, a música e, muito menos, as pessoas e a sua identidade. Convenci-me que assistira a uma bonita e convincente encenação que contava a estória de um português que estava apaixonado por ninguém. E por isso chorava. A meio caminho senti pena por a guitarra que acompanhara o acto não ter sido a de doze cordas.

O tempo foi passando e a saudade aumentando. A distância é implacável mas clarividente. Dá-nos permissão para criticar com pragmatismo. Vou assimilando a grandiosidade, amplitude e profundidade da nossa cultura com a mesma intensidade da paradoxa noção dos tiros que constante e teimosamente damos nos nossos próprios pés.

Hoje, sinto que naqueles curtos cinco minutos que deram lugar àquela extraordinária interpretação estava toda a nossa essência e valores. A sensibilidade dos sentidos, o olhar o horizonte na esperança de lhe tocar, a sofreguidão da nossa alegria, a paixão como principal bússola, o “sangue derramado” em busca da verdade, o fado do destino e os caminhos da alma. E mais, muito mais coisas simples! Naquele parco momento o Homem, através de Portugal, mostrou-se mais e melhor Homem. Disse acreditar na vida, no amor e no que está para além da vista. Por si só. Não foi preciso um grande discurso. Dos sábios são poucas as palavras que se ouvem e raras as portas que nos escancaram. Neles, dificilmente encontramos a eloquência do instante.

Estou orgulhoso. Aqueles que estavam sentados ao meu lado questionaram, certamente, os porquês do coração português.

1 Comments:

Blogger Pedro Tomás said...

Caro amigo, a questão que colocas é para mim uma questão central do actual estado em que Portugal se encontra.
Quem somos?
O que queremos?
Para onde vamos?

Ser Portugues é querer sempre mais,é sonhar quando todos os outros desistem, é ter um "fado" engasgado na garganta, uma lagrima escondida por saudades de um futuro que ao longe vai estando.

Ser Portugues, amigo, é estares longe e eu aqui em terras Lusas sentir-te perto.
Abraços

3:14 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home