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The Sun Green Hills

Conversas de café e outros devaneios...

greendale

segunda-feira, maio 29, 2006

Carlos Castaneda - A Erva do Diabo


Carlos César Arana Castaneda nasceu em 1.935 no Estado de São Paulo. Estudou na Argentina e partiu para Los Angeles com o intuito de estudar antropologia na Universidade da Califórnia. Na década de 1.960 iniciou no Estado americano do Arizona e no mexicano de Sonora as pesquisas e aprendizados narrados em vários livros, ao que parece, de imensa repercussão. Na década de 1.970 resolve omitir seus dados biográficos, mesmo gerando confusão e dúvida, dizendo-se bruxo e pregando a pouca importância do passado. Insistiu nisso a ponto de hoje desconfiar-se da sua nacionalidade, se realmente brasileira ou peruana. Morreu em 1.998. Talvez minha dúvida inicial a seu respeito antecipe em vinte ou trinta anos a do leitor futuro que leia aleatoriamente um livro de Paulo Coelho, ignorando a acolhida recebida do público e da crítica quando do lançamento: ele deve ser levado a sério ou não?No meu caso, o primeiro contacto deu-se com o livro A Erva do Diabo, publicado em 1.968, no qual é apresentada a figura de Don Juan Matus , guia de Castaneda. O trabalho inicial deste referia-se às plantas de uso medicinal utilizadas pelos índios daquelas localidades. Contudo, apresentado no Arizona a Don Juan, o antropólogo embrenhou-se pela gnosiologia. O título original da obra é justamente The Teachings of Don Juan.Don Juan Matus é o nome fictício do índio yaqui originário de Sonora, México. Como o discípulo, seu passado também não é revelado além do admitido por ele mesmo. Um nome não deve ser repetido aleatoriamente, e se conhecido gera poderes sobre o nomeado. Certa vez, li em algum lugar que o nome de Deus não seria revelado aos judeus para que estes não se julgassem com algum poder sobre Aquele. Por todo o livro vemos conceitos já apresentados em outros lugares, com outros nomes ou vestes, com variados graus de aprofundamento dos estudos. Um exemplo é o perigo do conhecimento já mencionado nos livros sapienciais do Velho Testamento.Voltando a Don Juan, deve-se verificar não ser ele nenhum santo ou, naqueles dias, uma lenda viva. Posteriormente, sim, ganhou certa aura de místico, quando na verdade apenas elegeu um aluno para transmitir, de forma perceptivelmente séria, antigos ensinamentos importantes para o seu povo. É bom lembrar que o próprio Castaneda iniciou suas investigações com a finalidade de registrá-los antes de se perderem.O livro divide-se em duas partes. A primeira é a selecção e organização dos ensinamentos. Conforme Castaneda, as repetições foram suprimidas e os assuntos dispostos n’um sistema, inda que violada a cronologia. É a parte mais fluente, incluindo até cenas cómicas com um cão. Na segunda parte, todo o aprendizado e as conclusões são expostos cientificamente, pois deve-se lembrar da destinação universitária deste trabalho.Na primeira parte, portanto, Don Juan tem por escopo levar seu aluno à aquisição de conhecimentos, aquisição esta auxiliada em um primeiro instante por plantas alucinógenas: “No contexto específico de seus ensinamentos, dom Juan associava o uso da Datura inoxia e da Psilocybe mexicana para a aquisição do poder, um poder que ele denominava ‘aliado’. Associava o uso da Lophophora williamsii à aquisição da sabedoria, ou o conhecimento da maneira certa de viver”. Este poder aliado é conceituado mais adiante: “Um ‘aliado’, disse ele, é um poder que um homem pode introduzir em sua vida para ajudá-lo, aconselhá-lo e dar-lhe a força necessária para executar atos, grandes ou pequenos, certos ou errados. Este aliado é necessário para realçar a vida de um homem, orientar suas ações e aumentar seus conhecimentos”. Vejamos quais as plantas utilizadas. São elas o peiote, a erva do diabo e um cogumelo.Peiote é o nome popular da Lophophora williamsii, um cacto do qual se extrai a mescalina, mescal ou mescalito. Esta substância é utilizada deste épocas imemoriais em rituais religiosos na América Central e Sudoeste dos Estados Unidos. Embora eu não os tenha lido, são muito citados os ensaios de Aldous Huxley sobre sua experiência com esta droga: Portas da Percepção e Céu e Inferno.Datura é o nome usado por várias plantas solanáceas – dicotiledôneas gamopétalas, i.e. pétalas soldadas – consistentes em árvores e arbustos venenosos, dentre os quais destaca-se por seu maior grau o estramónio ou figueira do inferno. Nativa da América do Norte, todas as suas partes contêm quantidades significativas de atropina e escopolaminas, além dos compostos relacionados.O cogumelo provavelmente utilizado por Don Juan é o Psylocybe mexicana, o “cogumelo sagrado”, do qual se extrai a psilocilina. Aproveitado nos ritos pelos nativos daquele trecho da América . Os efeitos dos alucinógenos são os descritos por Castaneda: grande excitação cerebral, visões coloridas, sonhos agradáveis, sensações inusitadas, êxtases profundos, impressão de viver n’outro plano e algum desconforto físico ao retornar à lucidez.O que denominamos “alucinação”, Don Juan acreditava ser um “estado de realidade não comum”, no qual tencionava adquirir sabedoria. Lastimável. “Alucinação” significa desvario, falta de razão; é a interpretação como real de algo irreal. Difere da ilusão por esta ser uma percepção errônea, por meio de sentidos perfeitos, de algo real – ilusão de óptica.É relevante assinalar que Castaneda não estimula o uso indiscriminado de qualquer alucinógeno. Oxalá nenhum adolescente cisme de ler o livro e tentar alguma experiência por conta própria apesar dos detalhes fornecidos.

quinta-feira, maio 11, 2006

O t'xico


Foi com enorme pesar que recebi a triste notícia da morte do t'xico depois de me ausentar um tempo da minha aldeia.
Todos os dias, depois de almoçar, a caminho do café do largo da areeira, eu encontrava-o com o seu irmão t'joaquim e outros amigos de infância sentados na paragem dos autocarros no mesmo largo da areeira e cumprimentava-os dizendo: Boa tarde, senhores. Boa tarde Francisco, retorquiam eles ternamente. Eu sorria assim como eles.
Essa paragem era o ponto de encontro desse meu conterrâneo e de seus amigos, meus outros conterrâneos. Lá sentiam-se bem. Nos cafés não estão tão à vontade pois ocupam o espaço para falar do tempo e dos outros segredos que a agricultura encerra e não pagam esse espaço. É que os proprietários reclamam um pagamento, nem que seja um copo de três de hora a hora, no mínimo. Mas os nossos senhores mesmo com alguma jorna que lá vão ganhando para juntar à reforma continuam com o cinto apertado, que isto de chegar aos setentas ou oitentas requer uma manutenção que não vai só com água, pão e vinho e o que se ganha é pouquinho.
Assim, sem que haja outro sítio onde se possam sentar e conviver em conjunto - convém que seja em conjunto já que a solidão espreita a cada canto, e nesta idade vê-se muito mais do que nós, gente mais nova, consegue imaginar. Eles vêem o que se esconde por baixo do hábito que a solidão veste e isso é a única coisa que lhes faz sentir medo. E olha que a esta altura já nem as cobras metem medo.
Fez-se uma nova auto-estrada; A Sala Elíptica da Escola Prática de Infantaria acolhe um concerto pela Orquestra Sinfónica Juvenil; O peixe e marisco dão o mote para mais uma edição da mostra gastronómica, organizada pela Junta de Turismo da Ericeira; etc; .
Não sei se o t'xico se iria interessar por algum destes eventos. Não sei se o t'xico sabia ler ou usar internet. Não sei se o t'xico estaria disposto a apanhar um autocarro ou ir de boleia com alguém para não sei onde. Sei sim que o t'xico passou os seus últimos tempos na companhia do irmão e dos amigos numa paragem de autocarros e o seu último mês de vida num lar de terceira idade.